Posto então esta análise técnica sobre o Pampa. Curiosamente esta análise me faz lembrar da piada do cara que chega na propriedade dum nego véio e diz:-Sem entrar no seu campo, posso lhe dizer tudo sobre ele!- e se botou a fazer cálculos e mexer num troço que ele chamava de GPS e computador, bueno, em 15 minutos ou um pouquinho mais ele virou de novo pro nego véio que tava ali meio que na mesma posição olhando pra ele, agora já quase terminando o palheiro e no segundo ou terceiro mate: - O senhor tem 89ha de campo, 5 vacas, 6 bois, 1 touro, 1 cavalo 2 cadelas e 5 cachorros.- O nego véio deu uma cuspida pro lado jogando o palheiro longe, ajeitou a bomba como quem faz marcha num fusca, levantou os olhos em direção ao dito cujo e disse: - E tu és Agrônomo!- O cara ficou espantado e perguntou:- Como sabe?
-Fácil!- Disse o véio, e continuou:- Primeiro, tu chegaste aqui sem ser chamado, segundo, me disseste um monte de coisas que eu já sei, e terceiro, não são 5 cachorros, são ovelhas!!
Marcelo Machado Madeira (*)
Para evoluirmos, precisamos periodicamente rever conceitos e quebrar paradigmas. Até bem pouco tempo, havia na sociedade, refletida na própria legislação ambiental brasileira, uma visão de que a vegetação nativa a ser protegida restringia-se basicamente às florestas (códigos florestais, leis florestais, etc). Era como se os campos não existissem. Esta percepção vem mudando e a Lei 11.428/06 da Mata Atlântica, ao prever expressamente a proteção, por exemplo, dos campos de altitude, comprova isto. Tal mudança decorre do acúmulo de conhecimento científico, que tem demonstrado a riqueza e a importância da biodiversidade dos campos nativos para diversos fins socioeconômicos: pastoreio, manutenção de aquíferos e cursos d’água, armazenamento de carbono, entre outros. Mas e quanto ao Pampa?
A região do Pampa gaúcho só foi reconhecida como um bioma nacional em 2004, agregando-se desde então aos demais biomas continentais brasileiros: Amazônia, Pantanal, Cerrado, Caatinga e Mata Atlântica. É o único bioma situado inteiramente em um estado, onde ocupa cerca de 63% do território. Nos últimos anos ganhou certa visibilidade graças à polêmica envolvendo a implantação de grandes projetos de silvicultura na Metade Sul. Em que pese o recente reconhecimento oficial, levantamento do IBAMA mostra que só restam 36% da área de vegetação original do Pampa em virtude de sua supressão para fins principalmente agrícolas. Oportuno perguntar: como assegurar a conservação do que restou?
Papel fundamental tem a pecuária sobre campo nativo, vocação natural e atividade tradicional da região. Já houve o tempo em que se imaginava que a conservação dos campos só poderia ser alcançada cercando-se áreas e isolando-as de qualquer tipo de uso. Engano. Pesquisas têm demonstrado a plena compatibilidade da pecuária no Pampa com a conservação dos campos nativos, inclusive com aumentos substanciais de produtividade e lucro para o próprio produtor rural. Um exemplo de que a conservação ambiental, longe de ser um entrave ao desenvolvimento, pode alavancá-lo!
Não por outro motivo, o IBAMA/RS coordenou a elaboração, juntamente com pesquisadores da UFRGS, Embrapa Pecuária Sul e ICMBio, de uma proposta de diretrizes e critérios para o uso pecuário sustentável das áreas de reserva legal do Pampa. E tem procurado criar canais de diálogo com o setor produtivo e outros setores governamentais e não governamentais com vistas a incentivar esta atividade no bioma, evitando a conversão dos campos nativos para outros usos. Em tempos de acaloradas e radicalizadas discussões, o exemplo da pecuária no Pampa mostra que rever conceitos e quebrar paradigmas, associados a uma sólida base técnica e uma pitada de bom senso podem fazer toda a diferença na inevitável conciliação entre produção e meio ambiente.
(*) Analista ambiental da Divisão Técnica do IBAMA/RS
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