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segunda-feira, 19 de setembro de 2011

Quem se importa com transgênicos?

por Washington Novaes
O POPULAR, 15/09/2011
A polêmica está de volta – redobrada: a Comissão Técnica Nacional de Biossegurança programou para esta semana a decisão sobre liberar (ou não) o plantio de uma variedade transgênica de feijão, resistente à “mosca branca”, criada pela Embrapa – Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária. O presidente da CTNBio, Edilson Paiva, em carta à presidente da República e ao ministro de Ciência e Tecnologia, Aluizio Mercadante, já se declarou a favor da liberação. E é acompanhado por muitos membros da Comissão. Mas também há muitos outros cientistas contrários, cuja posição pode ser sintetizada na carta igualmente enviada à presidente pelo Conselho Nacional de Segurança Alimentar (Consea), órgão que assessora a chefia do Executivo.
Diz o Consea que, respeitando a adesão do Brasil ao princípio da precaução previsto em convenções internacionais, é contra a liberação, “enquanto não forem sanadas todas as dúvidas em torno do produto”. Em seu lugar, defende a adoção do feijão orgânico, que há oito anos está em pesquisa também na Embrapa. Esta assegura que já fez todos os testes necessários com o feijão transgênico; o Consea diz que não – inclusive porque as questões ambientais correlatas só foram testadas em quatro Estados (GO, MT, MG e SP). Também defende este órgão que lhe seja concedida representação na CTNBio (onde não está) e que seja ampliado o prazo para avaliação de transgênicos.
Já os defensores do novo feijão argumentam que ele dispensa as várias pulverizações e economiza agrotóxicos, favorece a agricultura familiar, reduz a perda de safras, com a introdução de parte do vírus da praga no genoma nuclear do feijoeiro.
O feijão transgênico viria – ou virá – somar-se ao milho transgênico, que em quatro anos passou a ocupar dois terços das áreas plantadas, crescendo 9,1 milhões de hectares em uma safra; ou à soja, que aumentou 13,4% e chegou a 82,7% do total; ou ainda ao algodão, que já está com 39% da área. Com tudo isso, o Brasil já é o maior produtor de transgênicos, após os Estados Unidos, em 30,4 milhões de hectares. No mundo todo o avanço é forte. Em 2000, apenas 13 países plantavam transgênicos em 40 milhões de hectares; no ano passado, já foram 29, com 148 milhões de hectares.
Fora do Brasil a polêmica é mais forte. Nos Estados Unidos, por exemplo, repercute muito estudo desenvolvido durante 15 anos pelo microbiólogo Bob Kremer, do Agricultural Research Service. Diz ele que o uso excessivo do Round Up (usado com produtos transgênicos) pode mudar a composição dos solos e prejudicar as lavouras; além disso, afeta as estruturas químicas das plantas; e pode ser responsável por doenças nas raízes. Na Europa, o Tribunal de Justiça da União Europeia reconheceu que culturas transgênicas afetam, com seu pólen, a produção de mel em áreas vizinhas(como provou um agricultor alemão); por isso, determinou que Espanha e outros países da União revejam a legislação sobre transgênicos. Só a Espanha tem 70 mil hectares de milho transgênico. É uma decisão que pode, inclusive, afetar as exportações de produtos transgênicos brasileiros para a Europa ( Valor Econômico , 20/8).
Ainda nos Estados Unidos, uma ação num tribunal federal tenta anular patentes da empresa Monsanto e outras na área dos transgênicos e impedir a venda. É uma ação movida pela Fundação de Patentes Públicas, em nome de centenas de ONGs e 270 mil agricultores orgânicos, que alegam danos à placenta humana, produção de linfomas, mielomas, abortos de animais, reações alérgicas em humanos (um cientista atribui a transgênicos 90 milhões de casos anuais de alergias atendidos pelos serviços de saúde). Já a Monsanto tem alegado em tribunais que eventual contágio de plantios convencionais por transgênicos é de responsabilidade dos usuários de sementes modificadas. Na Corte de Apelação de Minnesota, já se decidiu que fazendas orgânicas cercadas por plantios transgênicos podem exigir compensação – o que vinham pedindo desde 1998. E a Bayer concordou em pagar 750 milhões de dólares a 11 mil produtores de arroz de cinco Estados que tiveram suas lavouras contaminadas entre 1998 e 2001.
Não é só. A Autoridade Indiana de Biodiversidade está processando a Monsanto pela produção, sem autorização, de berinjelas transgênicas. E o governo do Peru declarou-se no mês passado a favor de moratória na área dos transgênicos, que começa a ser discutida no Congresso.
Mas ainda virão novos capítulos. As grandes empresas do setor estão investindo pesado nas pesquisas para chegar a variedades de cana-de-açúcar transgênica, que esperam viabilizar em quatro anos – mais resistentes a insetos, mais tolerantes a herbicidas, mais resistentes à seca e com teor de açúcar 40% mais alto, segundo dizem.
Não faltarão polêmicas. Mas ainda uma vez vale a pena observar uma inversão semântica: pessoas e cientistas que se manifestam a favor de respeito ao princípio da precaução e de estudos científicos (impactos sobre outras espécies e a biodiversidade) e na área de saúde (epidemiológicos, para avaliar possíveis danos à saúde humana) são acusados de ser contra a ciência, de manterem posturas “ideológicas”; já pessoas e cientistas a favor de liberação dos novos produtos, sem necessidade daqueles estudos científicos, são apontadas como “verdadeiros cientistas”.
A sociedade fica de fora, embora a Fiscalização do Departamento Nacional de Defesa do Consumidor tenha encontrado (ASPTA, 20/7) no mercado pelo menos 10 produtos que continham transgênicos, obrigados a identificar com um T os portadores de transgênicos, mas não o faziam. Isso incluía biscoitos recheados, tortilhas de chocolate com cereja, barras de cereais, mistura para panquecas, farinha de milho e outros itens. Mas quem quer saber disso?
Washington Novaes é jornalista

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