Semeando Visão de Mundo

Desde quando saímos do meio urbano e optamos em nos agregar a um movimento social e passar à viver no campo, tínhamos a idéia de que poderíamos construir coisas novas.
Depois de anos estudando, conhecendo e trocando experiências, começamos então a concretizar projetos. Conhecendo um pouco disso recebemos com felicidade a solicitação do Professor Darcy Ferreira ¹ para fazer um dia de campo aqui com sua turma, e então no dia 03 de dezembro tivemos o grande prazer de receber em nosso Assentamento educandos da Escola Presidente João Goulart de Arroio Grande.
Aproximadamente 20 educados entre 10 e 13 anos acompanhados do Prof.° Darcy, da Orientadora Pedagógica Marlete Nunes e de duas mães.
Chegaram no Assentamento Tamoios² por volta da 10:00h da manhã. Depois de acomodadas as mochilas seguimos uma trilha até a casa de super adobe, hoje habitada pela Mônica³.
Nos apresentamos todos e conversamos sobre as razões que nos levaram a sair do meio urbano, e sobre as nossas opções de construção de casas de terra e produção orgânica. Também conversamos bastante sobre os problemas do uso dos agrotóxicos e sobre os alimentos industrializados.
Nos localizamos geograficamente e saímos em outra trilha para conhecer um pouco do nosso mato e comer pitangas.
Voltamos ao casarão para almoçar. O almoço foi feito pela Vera³ com apoio das mães visitantes, que se incorporaram neste momento ao grupo.
Depois do almoço tivemos mais um momento de se localizar, desta vez com o horizonte bem amplo, olhamos para todos os lados e eles apontaram todas as diferenças. Nesta hora conversamos também sobre as lavouras de eucalipto, e sua pobreza em diversidade. Os mais ativos aproveitaram a parada para jogar futebol e andar à cavalo.
Saímos em mais uma trilha, desta vez para conhecer a casa de torrão, ainda em obras mas já uma casa. Como está em obras puderam visualizar todas as etapas de construção. Fui cravejada de perguntas, tanto da crianças quanto dos adultos. O fogão à lenha fez sucesso. As garrafas na parede causaram muitos efeitos, foi um momento cheio de curiosidade, dúvidas e respostas. O grande debate aqui foi sobre as energias gastas para se fazer uma casa, e o quanto de energia é ou não renovável. Vimos o sistema de tratamento de água e depois do leito de evapotranspiração seguimos nova trilha até um mato que está fechado fazem 6 anos.
Observamos o ciclo das árvores e dos cipós, as pequenas plantas, samanbaias e bromélias e muitas outras. Conheceram uma toca de tatu e muitos ninhos. Depois fomos a outra parte do mesmo mato onde as vacas, ovelhas e cavalos tem acesso, e eles puderam observar que ali quando as árvores velhas morrerem não haverá sucessão.
Fomos então a um banhado, onde aflora água o ano todo. Neste banhado também, metade está cercado e metade com acesso livre a todos os animais e também perceberam a diferença e a degradação da área livre aos animais.
Pegamos então uma nova trilha em outro mato, com nascente e sanga, onde os animais tem livre acesso, mas sem super lotação do piquete a nascente é inacessível e o único caminho leva até uma pequena lagoa na sanga. Atravessamos este mato, e sempre comendo muita pitanga nas bordas dos matos fomos voltando ao casarão.
Paramos um pouco para um pequeno lanche e assistimos o Professor Darcy nos apresentar o trabalho de interdisciplinariedade que desenvolveu e desenvolve com sua turma, Projeto Cidadania também se faz no João Goulart, trabalho este que lhe rendeu um prêmio como destaque na educação no Município de Arroio Grande.
As crianças nos apresentaram a coreografia das bandeiras ao som de uma música que fala de seres e valores, e então saíram a correr e brincar, aproveitando ao máximo os últimos minutos de um lugar com tanto espaço.
Fomos brindados por um dia de temperatura agradável, sem vento e muitas, mas muitas pitangas.
Todos os educandos eram urbanos e alguns não conheciam nada, nem gravatá, nem pitanga.
As lichiguanas eram chamadas de camotinhos, e ver o Dudu³ e o Welinton³ andarem calmamente nos terneiros causou espanto - "que isso? não é gineteada?" - todos adoraram.
Saíram daqui todos felizes e nós ficamos muito felizes, mesmo que ainda não tenhamos concretizado tudo que ideiamos, o pouco que temos já servem para poder discutir e argumentar sobre muitos problemas globais e soluções locais que conhecemos.

Marília Gonçalves

assentada no Assentamento Tamoios

¹- Professor Darcy Ferreira e professor de educação fundamental, acadêmico do curso de Educação de Campo do núcleo de EAD da UFPel em Herval e integrante dos processos de integração de intercâmbio França- Brasil que existe na região de Herval.
²- Assentamento Tamoios, no INCRA P.A. Vista Alegre, localizado no município de Herval. Nosso assentamento.

³- Mônica, Vera, Dudu, Lia e Pietro - Assentados assentamento Tamoios, Welinton é do Assentamento vizinho, Assentamento Nova Herval.