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sexta-feira, 1 de julho de 2011

Transgênico ameaça produção orgânica

O cultivo de variedades transgênicas de soja e de milho está ameaçando a frágil cadeia de produção orgânica no sudoeste do Paraná -área cujo perfil fundiário é o da pequena propriedade rural.
A dificuldade na obtenção de grãos convencionais e a deficiência da logística são apontadas como as responsáveis pela contaminação da produção.
“Está cada vez mais difícil obter sementes não transgênicas para os produtores orgânicos. Além disso, há o problema da contaminação na colheita ou no transporte da safra”, afirma Marcio Alberto Challiol, diretor da Gebana, empresa com sede em Zurique, Suíça.
A Gebana, especializada na comercialização de soja, milho e trigo orgânicos, negocia por ano 10 mil toneladas de cereais do Brasil. É uma gota, diante dos volumes da safra brasileira.
Mas a história desse modelo de produção (livre de agrotóxicos e de transgênicos) tem relevo não pelos volumes, mas como prova de que a prerrogativa da Lei de Biossegurança no Brasil não está sendo cumprida.
ABANDONO
A liberação de mais de 20 variedades de soja, milho e algodão transgênico no Brasil se deu sob a condição de que todo agricultor que queira uma produção convencional ou orgânica terá esse direito assegurado.
A falta de controle, tanto na produção de sementes como na logística para segregar OGM (organismos geneticamente modificados) e não OGMs, está burlando essa condição no Brasil.
O impacto econômico está levando pequenos produtores a abandonar esse cultivo. Paulo Sobrinho Mackiewicz, produtor do município de Capanema -650 quilômetros a oeste de Curitiba-, é um dos que desistiram do orgânico.
Na última safra, Mackiewicz havia negociado a produção com prêmio de 35% além do valor da saca de soja convencional. Após meses de trabalho duro para evitar o uso de uma gota de veneno, a má notícia.
A produção de 54 toneladas de soja estava contaminada com sementes transgênicas. O prêmio de 35% foi perdido, um corte na receita no valor total de R$ 9.000, uma cifra importante para a propriedade.
“Fiz o possível. Trabalhei duro para conseguir um preço melhor para a soja. A contaminação, que não tenho ideia de onde veio, acabou com tudo. Depois disso, desisti do orgânico. Não vou fazer tudo novamente sem ter garantia”, disse.
PREJUÍZO GRANDE
A Gebana, empresa que lhe forneceu a semente, afirma que não havia contaminação no material genético. A suspeita, então, recaiu sobre a colheitadeira alugada por Mackiewicz, que poderia ter restos de soja transgênica.
Delézio Caciamani, 40, também produtor da região, enfrentou o mesmo problema. Plantou 32 hectares de soja orgânica e também perdeu o prêmio de 35%. Perdeu R$ 12,6 mil com a contaminação dos grãos.
“O cultivo orgânico é muito mais trabalhoso. O prêmio que é pago por saca torna essa produção mais competitiva. Mas, se você perder esse benefício, o prejuízo fica grande”, afirma.
Mais pela convicção da importância em produzir com menos agroquímicos, Caciamani vai manter-se no método orgânico por mais uma safra. Fará isso não sem um fio de preocupação.

Para a CTNBio, não dá para ter pureza total
DE SÃO PAULO
O vice-presidente da CTNBio (Comissão Técnica Nacional de Biossegurança), Aluízio Borém, afirma que as medidas criadas pela instituição são eficientes para evitar contaminação de sementes transgênicas na produção convencional ou orgânica.
“É necessário que as medidas de coexistência sejam observadas. As evidências científicas mostram que não haverá contaminação se forem respeitadas a diferença temporal entre o plantio transgênico e o convencional, bem como o respeito à separação espacial entre esses cultivos”, afirma o vice da CTNBio.
O especialista em melhoramento de plantas disse ainda que não é possível assegurar pureza total nessas produções.
“Contaminação zero não existe, o que deve haver é o respeito a níveis que possam ser admitidos”, afirma.
Sobre eventual falha no controle das regras da CTNBio, o vice-presidente afirmou que a comissão não possui mandato para fiscalização, atribuição essa de órgãos ligados ao Ministério da Agricultura.
Borém afirma que, em 13 anos em que a Comissão de Biossegurança autorizou o plantio comercial de variedades transgênicas de milho, soja e algodão (as únicas liberadas até agora) não existe nenhuma evidência de problemas à saúde humana ou de efeitos danosos ao ambiente.

Meta é ter cadeia de semente não modificada
DO ENVIADO ESPECIAL A CAPANEMA
Um programa entre a Embrapa (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária) e a Abrange (Associação Brasileira dos Produtores de Grãos Não Geneticamente Modificados) tenta instituir estrutura alternativa para barrar o avanço das companhias multinacionais no domínio do agronegócio nacional.
O programa Soja Livre tenta criar canais de acesso a sementes não OGM por parte dos produtores de soja e milho. A estrutura, com presença em Mato Grosso, é uma reação à redução da oferta de material genético livre de transgênicos. Hoje, 35% da soja e 65% do milho brasileiros são convencionais, não transgênicos.
Após a liberação de eventos geneticamente modificados, as grandes companhias de biotecnologia do mundo estão concentrando esforços para o desenvolvimento de sementes transgênicas, deixando de lado o chamado melhoramento clássico.
“Essa é uma guerra comercial. As múltis, com os transgênicos, ganham em todo o pacote tecnológico que põem na propriedade do agricultor. Da semente aos defensivos, chegando até os royalties pelo uso da tecnologia. É isso que queremos romper”, disse Ivan Domingos Paghi, diretor técnico da Abrange.
Segundo César Borges de Souza, presidente da Abrange, todo o custo para evitar hoje a contaminação de sementes, do plantio, do transporte ou da armazenagem é de quem produz não OGM.
“Isso virou um buraco negro. O governo aprovou os transgênicos e pronto. O governo não toma conta da organização da cadeia. Assim, quem trabalha com não OGM é que ficou com o ônus da segregação”, disse.
Hoje, o Brasil ainda é o maior produtor e exportador de soja não transgênica. A exportação desse produto no ano passado atingiu 9 milhões de toneladas. (AB)

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