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Pronunciamento
(Do Sr. Deputado Chico Alencar, PSOL/RJ)
Senhor Presidente, Senhoras e Senhores Deputados e todo(a)s o(a)s que assistem a esta sessão ou nela trabalham:
Registro nos anais da Casa minhas impressões pela participação na I Conferência Mundial dos Povos sobre as Mudanças Climáticas e os Direitos da Mãe Terra, recém realizada na Bolívia, nos dias 19 a23 de abril passado.
Em Copenhague, capital da Dinamarca, em dezembro do ano passado, reuniram-se autoridades e especialistas para discutir as mudanças climáticas e adotar medidas para, ao menos, minimizar a grave crise ambiental. Os resultados da ruidosa reunião da ONU são conhecidos e frustrantes. Em Cochabamba, na Bolívia, na I Conferência Mundial dos Povos sobre Mudança Climática e Direitos da Mãe Terra, de abril de 2010, os resultados foram profundos e fecundos, embora pouquíssimo noticiados.
Uma das razões do êxito vem do fato de, nesta ‘cúpula’, movimentos sociais os mais diversos estarem presentes, e não para protestar do outro lado das grades e das barreiras policiais. Representações de 142 países – sendo 90 delegações oficiais – lá compareceram, nas palavras e propostas dos 35.500 participantes. É de se lamentar que o Brasil, secularmente de costas para a América Latina, não tenha marcado presença significativa.
Em Cochabamba, alguns consensos foram firmados. O primeiro deles deriva da cosmovisão dos povos andinos, cada vez mais emponderados, que ensina ao Ocidente colonialista que não estamos sobre a Terra para dominá-la, mas somos parte dela, para desfrutá-la em harmonia. O ser humano é filho de Pachamama, a Mãe Terra, e não seu conquistador. Somos parentes de todos os seres que têm patas, asas, folhas e raízes, somos água, terra, ar e fogo, matéria viva, mineral, vegetal e animal, autoconsciente. A natureza não é uma mercadoria, com seus ‘recursos’, mas nosso ambiente vital: superorganismo vivo (Gaia) que se autoregula e segue seu curso de evolução do cosmos e rica dinâmica da biosfera, da qual somos partícula pensante e amorosa – mas também com potencial violento e destruidor.
Outra compreensão comum foi quanto ao caráter predador da economia da contínua produção de bens e do estímulo ao consumo insaciável em um universo finito. O sistema capitalista tem no êmulo do lucro, da competição e da superexploração da natureza uma perversidade congênita. A clara condenação das estruturas do capital não obscureceu o senso crítico: reconheceu-se que o chamado ‘socialismo real’, produtivista, do planejamento centralizado, foi, por outro lado, igualmente letal para nossa casa comum, a Terra. Hoje, não por acaso, EUA e China são os maiores poluidores do planeta. Urge buscar novos paradigmas.
Galeano destacou o processo histórico: “desde o Renascimento europeu a natureza se converteu em mercadoria e obstáculo ao progresso humano. E até hoje esse divórcio entre nós e ela persistiu. (...) Entretanto, há vozes do passado que falam do futuro: as culturas indígenas vêem a natureza por dentro. Vendo-a, me vejo. O que faço contra ela faço contra mim. Nela me encontro, minhas pernas são também o caminho que percorrem”.
Cochabamba definiu posições: indicou para 22 de abril de 2011, Dia da Terra, um referendo mundial sobre o sistema produtivo hegemônico no planeta, sobre a redução efetiva da emissão de gases e sobre a transferência dos recursos bélicos para medidas de mitigação dos danos ambientais. Será criado um Tribunal Internacional de Justiça Climática e Ambiental, com capacidade jurídica para prevenir, julgar e punir Estados, empresas e pessoas que provoquem danos ambientais de larga escala. A dívida climática será cobrada daquelas nações que geram contaminação e superaquecimento, incidindo em percentual sobre seu Produto Interno Bruto.
Cochabamba aprovou, por fim mas não por último, a Declaração Universal dos Direitos da Mãe Terra. Trata-se do respeito à sua (e nossa) existência, isto é, à continuidade de seus ciclos naturais, livres das intervenções agressoras dos humanos. Trata-se de manter a identidade, integridade e diversidade de todos os seres vivos. Trata-se de reconhecer as águas como fonte de vida e bem comum, o ar limpo como vital e os solos - montanhas, planaltos, planícies e bosques - livres de dejetos plásticos, tóxicos e radioativos, essa imensidão de lixo que a civilização ecocida produz. Trata-se de promover, já, a restauração plena de todos os estragos e violações que o modo social predominante de existir, produzir e consumir causam.
Desde Bolívia, no coração da América do Sul, ouviu-se um grito humaníssimo pela Mãe Terra: se não mudarmos o sistema, o clima continuará mudando e tornará inabitável o planeta. Urge uma revolução cultural para que façamos, de imediato e no cotidiano, do necessário o suficiente. Praticando o ‘bem viver’, que é a vida em plenitude, na dignidade do ser e não na acumulação e desperdício do ter.
Agradeço a atenção,
Sala das Sessões, 27 de abril de 2010.
Chico Alencar
Deputado Federal, PSOL/RJ
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