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terça-feira, 16 de agosto de 2011

Santayana: O destino do panamenho Noriega, agente da CIA

Artigo



Autorizada pelo governo norte-americano, que é o verdadeiro dono do prisioneiro, a França decidiu devolver ao Panamá o general Manoel Antonio Noriega, uma das figuras emblemáticas da criminalidade continental a serviço dos interesses norte-americanos. Tal como Somoza, Trujillo, Batista, Pinochet e outras figuras da mesma natureza sórdida, Noriega foi criado e amamentado pelos centros militares e serviços secretos dos Estados Unidos.


Por Mauro Santayana, em seu blog
Recrutado pela CIA aos vinte e poucos anos, depois de se preparar em escola militar peruana – de Chorillos – Noriega freqüentou a famosa Escola das Américas e o centro de operações psicológicas (leia-se, de torturas) em Fort Bragg, na Carolina do Norte. Sob a proteção de seus adestradores, ele foi, pouco a pouco, se tornando o homem forte do pequeno país da América Central, e, como Chefe do Estado Maior das Forças Armadas, ditador de fato, mesmo quando a presidência era ocupada por seus prepostos de turno.

Todos os crimes cometidos por Noriega, entre eles os do tráfico de drogas (nesse caso, em parceria com a CIA, de acordo com sólidas acusações feitas pelo jornalista americano Gary Webb, em seu livro Dark Alliance) não só foram tolerados. O dinheiro obtido com o tráfico de cocaína para os próprios Estados Unidos - em grande parte, transformada em crack, para o consumo dos viciados pobres de Los Angeles – serviu para armar os contra-revolucionários da Nicarágua, nas operações comandadas por Oliver North.

O caso Noriega é transparente. Ele prestou serviços sujos quando, em 1977, George Bush pai dirigia a CIA, e nos primeiros meses em que o republicano se tornou presidente dos Estados Unidos. Mas como os cães de fila costumam fazer, Noriega começou a rosnar fora do tom já em 1985, quando mandou assassinar o médico, jornalista e militante de esquerda Hugo Spadafora, provavelmente sem o prévio assentimento dos seus chefes ianques. A morte de Spadafora – pela qual terá que ser julgado no Panamá – é um ato brutal, mas não incomum entre os perpetrados pela extrema-direita. Ele foi preso por um esquadrão de extermínio, quando entrava clandestinamente em seu país, retornando da África. O chefe dos captores, Luis Córdoba, telefonou a Noriega, que se encontrava em Paris. O diálogo foi curto:


Córdoba – Pegamos o cão raivoso.

Noriega – E o que a gente faz com um cão hidrófobo?
Spadafora, que tinha apenas 45 anos, foi barbaramente torturado. Teve seus testículos esmagados e o decapitaram vagarosamente: ao ser encontrado o corpo, envolto em embalagem usada pelos correios americanos, os legistas verificaram que o estômago estava cheio de sangue, resultado da lenta degola.

Os americanos souberam do crime, mas nada fizeram contra Noriega, embora ele passasse a ser visto de forma suspeita, como todos os cães quando escapam da coleira. Só em 1988, quando veio a público o caso do financiamento da contra-revolução da Nicarágua com o dinheiro do tráfico de drogas, em que estava envolvido Noriega, as autoridades começaram a inquietar-se. O Sub-Comitê do Senado para o Tráfico de Entorpecentes, presidido pelo Senador democrata John Kerry, fez duro libelo contra a leniência de Washington para com o ditador panamenho:

“A saga do general Noriega representa uma das mais sérias falhas da política externa dos Estados Unidos”. Nesse mesmo ano, George Bush, pai, foi eleito presidente. Ao mesmo tempo, Noriega não aceitou o resultado eleitoral em seu país, e “nomeou” um seu seguidor para a Presidência. Os Estados Unidos já haviam reconhecido Endara, seu inimigo, que se elegera e não conseguiu assumir. Ao empossar-se, Bush iniciou uma série de atos de represália contra Noriega que, de repente começou a rosnar ainda mais grosso, contra os ianques. A tensão durou todo o ano de 1989. Foi nesse momento que Bush decidiu invadir o Panamá, em uma operação condenada pela Assembléia Geral das Nações Unidas, por 75 a 20 e 40 abstenções.

Em 20 de dezembro, as tropas norte-americanas estacionadas no Canal, com reforços enviados pelo mar, invadiram o país, causando mais de três mil mortos, entre as pessoas mais pobres do país, que se dispuseram a defender Noriega. Noriega asilou-se na Nunciatura Apostólica, e Bush não teve dúvida: autorizou que as tropas cercassem a Nunciatura e tornassem infernal a vida de seus ocupantes, com música alta e estridente, holofotes poderosos, fogos de artifício. O núncio capitulou e entregou Noriega. Julgado nos Estados Unidos e, mesmo provada a sua subordinação remunerada à CIA, os juizes desdenharam a evidência, afirmando que uma coisa nada tinha a ver com a outra. Noriega deveria ter deixado a prisão em 2007, mas a França pediu sua extradição, a fim de responder ao crime de lavagem de dinheiro da droga em bancos franceses. Depois de uma batalha jurídica que durou até o ano passado, a extradição foi concedida, com o aval de Hillary Clinton. Agora, os franceses resolveram entrega-lo ao Panamá, para que, ali, além de cumprir a pena de sete anos a que foi condenado em Paris, responda pela morte de Spadafora.

Desde que J. Edgar Hoover assumiu, em 1924, os serviços de repressão aos movimentos de esquerda nos Estados Unidos, os norte-americanos sempre se valeram do crime, organizado ou não, para os seus fins políticos. Nos anos 50, no auge de sua pujança, o FBI tinha quase 500 agentes encarregados de combater a esquerda e apenas 4 que se ocupavam do crime organizado, ou seja, da Máfia.

E a política externa dos Estados Unidos sempre cooptou a direita das forças armadas latino-americanas. Como reconheceu Roosevelt – que se valeu de Somoza para matar Sandino – Somoza era um completo son of bitch, mas era canalha deles, logo, usável, como usável foi, mais tarde seu filho, Tachito Somoza, misteriosamente “bazucado” em seu exílio no Paraguai, depois da vitória dos sandinistas na Nicarágua.

Noriega é o testemunho, ainda vivo, do que é a política externa dos Estados Unidos.

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