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sexta-feira, 30 de julho de 2010

A natureza está dizendo que o capitalismo é perigoso e autodestrutivo


O impasse na questão do clima

Todos os sinais sugerem que o planeta ainda está mergulhando de cabeça rumo a uma catástrofe climática. A Administração Nacional Oceanográfica e Atmosférica dos EUA publicou seu "Relatório sobre o Estado do Clima" , de janeiro a maio. Os primeiros cinco meses deste ano foram os mais quentes já registrados desde 1880; maio foi o mais quente de todos. Intensas ondas de calor estão varrendo muitas partes do mundo. E mesmo assim ainda não estamos agindo.

Modificar os sistemas energético e agrícola mundiais não é café pequeno. Não basta agitarmos nossas mãos e declararmos que as mudanças climáticas constituem uma emergência. Precisamos de uma estratégia concreta para reestruturar dois setores econômicos que estão no centro da economia mundial e envolver a população do mundo inteiro.

O segundo maior desafio no combate às alterações climáticas é a complexidade do próprio conhecimento científico. Hoje, a compreensão do clima da Terra e do componente de mudanças climáticas induzido pelo homem é resultado de muito trabalho científicamente difícil, envolvendo muitos milhares de cientistas de todas as partes do mundo. Essa compreensão científica é incompleta, e persistem incertezas sobre as exatas dimensões e perigos das mudanças climáticas.

A opinião pública em geral, naturalmente, tem dificuldades para compreender essas complexidades e incertezas, especialmente, tendo em vista que as alterações no clima estão ocorrendo ao longo de um "cronograma"  de décadas e séculos, e não de meses e anos.
Isso deu origem a um terceiro problema no combate às alterações climáticas, decorrente de uma combinação das implicações econômicas da questão e das incertezas que as rodeiam. Isso reflete-se na brutal e destrutiva campanha contra a ciência do clima movida por poderosos interesses estabelecidos e por ideólogos, aparentemente visando criar uma atmosfera de ignorância e confusão.
O Wall Street Journal, por exemplo, jornal de negócios líder nos EUA, move uma campanha editorial agressiva contra a ciência do clima há décadas. Os indivíduos envolvidos nessa campanha são não apenas cientificamente ignorantes, também não demonstram nenhum interesse em tornar-se mais bem informados. Eles têm recusado repetidas propostas de cientistas do clima para participar de reuniões e discussões sérias sobre as questões.
As principais empresas petrolíferas e outros grandes interesses empresariais também estão jogando esse jogo, e têm financiado campanhas visando desqualificar a ciência do clima. Sua abordagem geral é exagerar as incertezas da ciência do clima e deixar a impressão de que os cientistas do clima estão envolvidos em algum tipo de conspiração para assustar o público. É uma acusação absurda, mas acusações absurdas podem conquistar o apoio da opinião pública, se apresentadas num formato atraente e bem financiado.

Se somarmos esses três fatores - o enorme desafio econômico para reduzir os gases estufa, a complexidade da ciência do clima e as campanhas deliberadas visando confundir a sociedade e desacreditar a ciência -, chegamos ao quarto problema, e o mais abrangente: a indisposição ou incapacidade dos políticos americanos de formular uma política sensata de enfrentamento das mudanças climáticas.

Os americanos têm uma responsabilidade desproporcional pela inação em face das mudanças climáticas porque seu país foi o maior emissor mundial de gases-estufa até o ano passado, quando a China passou à frente. Ainda hoje, as emissões per capita nos EUA são mais de quatro vezes superiores às da China. No entanto, apesar do papel central dos EUA nas emissões mundiais, o senado americano nada fez sobre as mudanças climáticas desde a ratificação do Tratado da ONU, há 16 anos.

Quando Barack Obama foi eleito presidente havia uma esperança de progresso. No entanto, embora seja claro que Obama gostaria de avançar nesse terreno, até agora, tem colocado em prática uma estratégia fracassada de negociações com senadores e setores chave para tentar forjar um acordo.

O governo Obama deveria tentar uma abordagem alternativa. Em vez de negociar com representantes estabelecidos nos bastidores da Casa Branca e do Congresso, Obama deveria apresentar um plano coerente ao povo americano, com uma estratégia bem fundamentada para os próximos 20 anos, visando reduzir a dependência americana de combustíveis fósseis, converter veículos para que funcionem com eletricidade e ampliar as fontes de energia não emissoras de carbono. Ele poderia, então, apresentar um preço estimado para a adoção dessas mudanças ao longo do tempo e demonstrar que os custos seriam modestos em comparação com os enormes benefícios.
Apesar de ter sido o candidato da mudança, Obama não assumiu uma abordagem baseada na apresentação de planos de ação reais para mudança. Seu governo está cada vez mais preso nas garras paralisantes dos grupos de interesse especiais. É difícil determinar se esse é um resultado intencional, para que Obama e seu partido possam continuar a mobilizar grandes contribuições de campanha ou se é resultado de uma tomada de decisões incompetente, e pode refletir um pouco de ambos.

O que está claro é que seguimos rumo a um desastre. A natureza não se preocupa com maquinações políticas. E a natureza está nos dizendo que nosso modelo econômico é perigoso e autodestrutivo. A menos que encontremos uma liderança mundial efetiva nos próximos anos, aprenderemos a lição da maneira mais sofrida possível.
Artigo de Jeffrey Sachs, professor de Economia, diretor do Instituto da Terra na Universidade de Columbia (EUA). Publicado hoje no jornal Valor Econômico.
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