http://centrodeestudosambientais.files.wordpress.com/2010/07/desmatamentomikhailzlatkovskyqui16.jpg?w=500&h=364
Foi lamentável a semana passada no Congresso Nacional. Além de, pela enésima vez, a Comissão de Meio Ambiente da Câmara adiar a apreciação do relatório que recomenda o banimento do amianto em território brasileiro – comentada neste espaço na edição de sexta-feira passada -, outras decisões infelizes marcaram o período: 1) A aprovação, numa comissão especial da Câmara, do projeto que prevê várias alterações no Código Florestal brasileiro – com vários itens muito preocupantes; 2) a supressão, no Senado, de um dispositivo da Lei da Política Nacional de Resíduos Sólidos que não permitia a incineração de resíduos para geração de energia, a não ser quando esgotadas as opções de reciclagem.
A Lei da Política Nacional de Resíduos Sólidos contém princípios importantes, como já foi comentado neste espaço – a adoção da logística reversa, que envolve na destinação dos resíduos toda a cadeia do lixo (fabricantes, comerciantes, consumidores, governos); os incentivos à reciclagem e às cooperativas de catadores de lixo, entre outros. Mas são ainda princípios, que exigirão que sejam criados instrumentos práticos para sua efetivação. E com urgência, porque a geração de lixo continua crescendo (7% em 2009) e quase metade do lixo coletado no País (mais de 1 kg diário por pessoa, na média) continua sendo levada para lixões, 70% dos municípios dão destinação inadequada aos resíduos e a reciclagem total não passa de 12% do total recolhido, segundo a Abrelpe, a associação das empresas do setor. A logística reversa para produtos eletrônicos, pilhas, baterias e pneus, entre outros itens, é vital, já que o Brasil descarta a cada ano 1 milhão de computadores (produz 12 milhões por ano); 82 em 100 pessoas têm telefone celular (que contém metais tóxicos) e a vida média útil de cada aparelho é de três a cinco anos.
Não estranha, nessas condições, que praticamente todas as grandes cidades brasileiras estejam com seus aterros sanitários esgotados. Com a agravante de que implantar e operar um novo é extremamente difícil e custa muito caro. Além disso, em quase toda parte a reciclagem é insignificante. E isso contraria os princípios de uma boa política de resíduos, que deve ter como seu primeiro objetivo a redução do lixo; e como segundo princípio, a reutilização e reciclagem de materiais. A incineração só deveria ser a última opção, como constava do projeto submetido ao Senado após 19 anos de discussões. Além disso, a incineração é um processo muito caro, que exige altas temperaturas – principalmente quando os resíduos orgânicos estão misturados ao lixo seco, como aqui -, para evitar a emissão de poluentes carcinogênicos (dioxinas, furanos). Esse caminho também implica que se precise gerar cada vez mais lixo, para alimentar os fornos de incineração, já que cresce o consumo de energia. Só convém mesmo às empresas incineradoras e às coletoras de lixo (às quais também interessa que haja cada vez mais resíduos, já que são pagas por tonelada recolhida).
O terceiro episódio lamentável da semana passada no Congresso foi a aprovação, na comissão especial da Câmara, por 13 votos a 5, do projeto que altera o Código Florestal – e que ainda terá de ir a plenário, provavelmente em 2011. Para a aprovação agora pesou decisivamente que o PT, o PMDB e o PSDB tenham liberado seus representantes para votar a favor, se quisessem, ao lado do PCdoB (partido do relator do projeto, deputado Aldo Rebelo), do PSB, do PTB e do PP. Só votaram contra um deputado do PV, um do PSOL e mais três do PT, PSDB e PSB.
De pouco adiantaram advertências do Ministério do Meio Ambiente, do Ministério Público Federal, do Fórum Brasileiro de Mudanças Climáticas, de muitas instituições e organizações ambientalistas quanto a itens mantidos no projeto pelo relator – como a anistia para desmatadores (que, segundo o Ibama, implicará também perdão de R$ 10,6 bilhões em multas já aplicadas e não pagas), a redução de reserva legal em áreas desmatadas ocorrida antes de entrarem em vigor novas exigências (como preservação de 80% em áreas florestais da Amazônia e de 35% nas áreas de transição para o Cerrado). E algumas consequências, como a dificuldade de exigir a manutenção de reserva legal nas propriedades em geral; o possível comprometimento das metas brasileiras de reduzir emissões que agravem o efeito estufa, com o estímulo a mais desmatamento; os riscos de desastres climáticos para populações que vivem em áreas que deveriam ser de preservação permanente; e outras mais.
Os críticos do projeto cansaram-se de mostrar estudos provando que não é preciso desmatar mais para aumentar a produção agropecuária do País; que crescem as críticas ao Brasil em países importadores de soja, carne e madeiras (o Parlamento Europeu, por exemplo, acaba de aprovar resolução que proíbe o comércio, com 27 países, da madeira extraída ilegalmente; a moratória da soja está sendo prorrogada; enfrentamos dificuldades com a exportação de carnes por causa da falta de sistemas confiáveis de rastreamento da origem). A candidata Marina Silva chegou a dizer que, se eleita presidente, vetará a lei, caso seja aprovada pelo Congresso.
E sobrou muita pancada para o relator, deputado Aldo Rebelo, já apontado como “vanguarda do atraso”, lembrando haver ele comandado também, no Congresso, a blitz com que o Executivo federal aprovou ali a legislação sobre alimentos transgênicos, apesar da oposição dos Ministérios do Meio Ambiente e da Saúde, que pretendiam exigir estudos prévios de impacto ambiental e epidemiológicos (para verificar possíveis danos à saúde dos consumidores de alimentos transgênicos). O conceituado professor Aziz Ab’Saber, da USP, chegou a escrever que o deputado é “neófito em matéria de questões ecológicas, espaciais e em futurologia”.
Resta ver o que farão, daqui para a frente, os adversários do projeto. E que acolhida terão no Congresso.
Do blog: CEA
Artigo originalmente publicado em O Estado de S.Paulo.
EcoDebate, 19/07/2010