Em função de não estar participando diretamente de nenhum movimento social, não se tratará nesse trabalho de como um movimento específico está tratando a crise do capital. Tentar-se-á fazer um apontamento sobre os Movimentos Sociais em geral, e de como eles se encontram nesse momento de crise. Vale dizer, que são apenas apontamentos, elencados das formas como esses movimentos vem se portando nesse cenário adverso. De antemão ressalta-se que esse trabalho não é fruto de um estudo sistematizado e científico da situação atual. São apenas reflexões extraídas da observação cotidiana da realidade e de um conjunto de leituras auxiliares. O máximo que se fará é levantar suposições e hipóteses a partir de uma linha de raciocínio pessoal.
A mercantilização da vida social como um todo que transforma o capitulo I do capital ainda mais profundo e verdadeiro, foi ao longo do tempo subvertendo mais e mais esferas da vida social. Se a dinâmica da mercadoria é fundamento para as formas de vida social como um todo, não é menos verdade para as formas de organização social também. É sobre esse ponto de inflexão que se procurará contextualizar a ação dos Movimentos Sociais no Brasil atualmente. Não se tratará aqui da situação dos partidos políticos ditos de esquerda, nem das centrais sindicais, pelo distanciamento com que deste se encontram. Embora pareçam se encontrar em situação semelhante. A hipótese aqui levantada é a seguinte: a crise que assola o capital e suas formas de acumulação em geral afeta do mesmo modo as formas de organização social, os Movimentos Sociais. E pode-se resumir em dois eixos fundamentais: o primeiro por se tratarem de movimentos que atuam dentro de um nexo paradoxal da ação comunicativa, o que se tentará explicar mais adiante, e o segundo eixo se trata da própria forma de organização não dar mais conta da dinâmica atual da sociabilidade capitalista e ficar suscetível as mais diversas formas de criminalização e cooptação.
Nesse primeiro momento é importante ressaltar algumas impressões genéricas sobre a crise. O que mesmo caracteriza essa crise, quais suas proporções, e quais dimensões sociais ela afeta. Já nos estudos realizados por Marx em O Capital, onde ele situava a crise como parte constitutiva do capital, um momento da acumulação de capitais que a burguesia não tinha com extrair de seu modo de reprodução social. Uma conseqüência direta da própria dinâmica interna do capital, impossível de ser superada dentro do capitalismo. Que por um lado poderia criar uma situação adversa para a dominação do capital, ao mesmo tempo em que, por outro lado, ela representa uma reestruturação mais ou menos profunda, de acordo com a dimensão da crise, da forma de organização e composição da estrutura de extração de mais valor. O que se percebeu ao longo de um século e meio depois, é que por mais que os capitalistas em geral tentassem criar uma fórmula de subtração das crises, elas nunca cessaram. Pelo contrário, cada vez mais elas atingiram mais e mais esferas da sociabilidade humana, tornando-se a cada momento, mais contraditórias e dramáticas.
Até o momento presente, pode-se dizer que a burguesia foi mais eficiente na busca de soluções para seus problemas de acumulação de capital, que a classe trabalhadora em empreender nos momentos adversos do capital uma derrota definitiva para a burguesia. Com a expansão e acumulação do capital em nível global, a burguesia logrou forjar formas mais sofisticadas de extração de mais valor e subordinação ideológica da classe trabalhadora ao seu metabolismo de reprodução social. Ao mesmo tempo, em que as formas de organização da classe trabalhadora foram derrotadas historicamente, violentamente reprimidas e desmoralizadas. Com a eminência e a hegemonia do capital imperialismo, a dominação do capital ganhou proporções gigantescas, criando formas ainda mais aprimoradas de adequação da condição de existência humana ao modo de produção e reprodução capitalista.
No entanto, essa dimensão astronômica não pôde evitar que o capital entrasse em crise de quando em quando. Pelo contrário, a crise também foi ganhando proporções gigantescas, com a possibilidade eminente de comprometer seriamente a existência humana na terra. Uma situação tal que atualiza de forma radical a expressão de Rosa Luxemburgo ( socialismo ou barbárie). No Brasil o processo de redemocratização nos anos 80 do século passado, engendrou a organização no seio da sociedade civil. Uma série de movimentos sociais e organizações não governamentais, com formas mais autônomas de pautar a luta pelos direitos democráticos mais elementares. O que não se levou em conta é que no limiar desse mesmo processo havia uma profunda transformação da estrutura política econômica que alterou significativamente o campo da luta de classes no Brasil. Nas palavras de Chico de Oliveira, houve a partir dos anos 90 um desmanche da composição do Estado brasileiro, alterando o epicentro do poder, sem que os movimentos em geral pudessem acompanhar essa modificação no complexo de conseqüências que gerou para todas as esferas da vida social. A luta que nos anos 70 e 80, no campo democrático, tinham um significado visível, transparente, tornou-se uma “intransparência” com a financeirização da economia nos anos 90. Mais e mais, as pautas e campos de atuação dos movimentos sociais e Ongs em geral esbarravam em obstáculos indecifráveis pela dinâmica violenta e dissimulada em que ocorreram. A grande maioria de movimentos e Ongs passaram a cumprir um papel de colaboração sem precedentes com o capital, uma função de adequação ideológica das massas as novas necessidades de acumulação do capital. A massa de trabalhadores já não visualiza o capitalista diretamente, o burguês que lhe extrai mais valor. O capital imperialismo, impessoaliza a extração de capital, ao mesmo tempo em que perenifica o presente, naturalizando e supra idealizando as novas formas de sobrevivência social e coloca como superada todas as possibilidades de transformação social. Um inimigo invisível que se personifica nos desejos mais íntimos dos trabalhadores, que passa a sonhar, a desejar, a se alegrar por eles, e que tem na maioria das organizações sociais um aparelho ideológico de hegemonia.
Os poucos movimentos que conseguiram manter uma postura mais crítica diante das armadilhas do capital, lembrando que nunca se desencilharam por completo delas, foram ficando cada vez mais isolados do conjunto dos trabalhadores, por dois motivos, um explícito e outro implícito: um processo de criminalização, desmoralização e satanização; e um processo paulatino de cooptação através de projetos governamentais compensatórios e sua conseqüente centralização excessiva das decisões em torno do epicentro econômico. A chegada no Estado com o governo Lula representou o golpe de misericórdia na capacidade de luta e enfrentamento contra o capital. Dia após dia a fragilização era mais evidente, ao mesmo tempo em que havia um emparelhamento dos movimentos sociais com as demandas emergenciais paliativas do governo. Um governo que despolitiza violentamente o Estado, ao mesmo tempo em que estatiza os movimentos e lutas sociais. As decisões políticas e econômicas mais profundas agora estão sob controle sublime do sistema financeiro com seus banqueiros e especuladores, fora de qualquer controle minimamente democrático. As parcas políticas que ficaram sob a esfera do Estado, são apenas compensatórias, alguns farelinhos dos estupendos acúmulos que o capital imperialismo logrou nesses últimos anos. O Partido dos Trabalhadores, as Centrais Sindicais, e os Movimentos Sociais, são os gestores exemplares da nova forma de extração generalizada de mais valor. Mais especificamente eles gestionam com políticas sociais compensatórias e projetos econômicos famigerados qualquer possibilidade de mobilização social contra o escandaloso acúmulo do capital. Essa é a dinâmica externa que envolve os movimentos sociais em geral, alguns mais outros menos, que delimitam para baixo o campo de atuação e que engessa a luta social a situações ridículas.
Internamente os movimentos ainda têm outros agravantes que deixam as coisas mais complicadas. Com o passar dos anos as estruturas organizativas foram moldando-se de maneira mais centralizada e autoritária. Uma herança stalinista alimentada por um marxismo vulgar, diminui significativamente a participação efetiva e centraliza os espaços de decisões. Aos poucos se passa a encobrir as contradições mais gritantes. A direção assume para si todo o processo de reflexão do qual ela mesma não da conta. Isolam-se as divergências, controla-se economicamente a miséria dos militantes, precariza-se a militância, dá-se mais atenção a forma das manifestações em geral do que ao conteúdo, burocratiza-se os espaços de participação, aparelha-se os descontentamentos, o praticismo e o tarefismo são glorificados, etc. Mas se não bastassem esses problemas organizativos, nos últimos anos vemos um apego fidedigno ao governo do PT, o que é mais trágico ainda. Na forma de ver dos movimentos esse governo não tem relação com o capital, seria uma coisa completamente distinta, da qual não podemos questionar. Deixa-se claro aqui que, forma de ver e questionamento, não estão reduzidos ao discurso, e sim a uma práxis efetiva. Porque no discurso até se faz algumas críticas ao governo, se não for período eleitoral, mas o conjunto das ações é profundamente de acordo com os interesses do governo. Na práxis concreta dos movimentos há uma profunda conformidade com o governo. Se facilitar, o governo até oferece a pauta de reivindicações.
No entanto, não se pode afirmar, que a situação é um problema restrito as direções dos movimentos. Ela é produto de uma crise profunda na sociabilidade do capital que tem modificado profundamente o campo de ação política. A crise geral do capital afeta as formas de organização social. E com a exuberância das formas de reprodução ideológicas construídas pelo capital, nosso futuro não pode ser outro se não sombrio. Socialmente, ainda se verifica uma indiferença impar aos problemas sociais mais gritantes. Preconceitos regionais, raciais, de classes, têm ganhado conteúdos mais sutis e danosos. Um desmoronamento dessa pífia condição econômica que se tem hoje pode levar massas e massas de trabalhadores para novas formas de fascismo e alternativas para a direita. Aqui em Santa Catarina, é cada dia mais visível como qualquer discurso reacionário, ganha eco no coração e nas mentes dos trabalhadores, nem se fala dos burgueses. Há um processo formativo intenso e cotidiano para isso. E o mais impressionante é que hoje quem não quer formação, discussão, luta e enfrentamento, são os próprios dirigentes dos movimentos sociais. Muitos fogem de qualquer forma de debate como o diabo da cruz. Muitos companheiros incorporam para si discursos e padrões de vida burguesa, com todas as regalias que se têm direito, já os que procuram manter uma postura mais coerente com o processo histórico de luta social dos trabalhadores adoecem fisicamente em meio a tantas barbaridades.
As classes dominantes quando conseguem através do Estado e seus projetos envolver as organizações da classe trabalhadora, têm o luxo de abrir mão inclusive do estado de sítio (a repressão militar, sem nunca abnegar dela), para paralisar teórica e praticamente a luta de classe. Agora o instrumento ou a organização garante a ditadura do não pensar, do não agir, da não práxis, pela formula metabólica que vai assumindo. Nesses momentos vive-se a tirania plena do capital, com a contribuição substancial das ditas organizações de esquerda. Isto posto, nota-se que o debate revolucionário ainda persiste, mas sob o invólucro paralisante do capital, que separa o instrumental teórico do único sujeito capaz de levá-lo as últimas conseqüências: a classe trabalhadora. Resta apenas uma pseudo-vanguarda separada da classe idealizando magistralmente seus desígnios. ... Ton Zé e seu público sabem o que é bom para a classe operária...
Diante de tal situação exposta acima, é urgente a retomada do materialismo histórico dialético, junto aos seus sujeitos históricos, como instrumental de interpretação da realidade para compreender pelas contradições mais profundas e atuais, as verdadeiras tarefas da classe trabalhadora. Uma retomada coletiva em que as organizações se tornem, assim como prescrevera Lênin, mecanismos sólidos de elevação da consciência de classe, para dessa forma darem novo dinamismo e efetividade à superação do modo de reprodução social do capital. Recuperar a centralidade política da classe trabalhadora, o que é diferente da centralidade da política, para que possa acontecer a revolução, e para que entre em cena o controle consciente dos trabalhadores livremente associados. Lograr a compreender que o poder do Estado está no capital, e que esse Estado é impotente frente a desigualdade social, no máximo pode amenizá-la, jamais superá-la. O Estado não é uma coisa que a classe trabalhadora possa se apropriar, ele não pode ser tomado pela classe trabalhadora e colocado à seu serviço, porque ele é um instrumento de manutenção da ordem do capital. Toda vez que a classe trabalhadora tomou o caminho da política pelo Estado, ela tomou o caminho errado, e se submeteu ao capital. A experiência histórica ensina que se deve fazer a luta política sob o ponto de vista do interesse fundamental da classe, o interesse do trabalho. A luta política pela centralidade do trabalho na compreensão de que Sociedade Política e Sociedade Civil são momentos de uma mesma realidade.
A separação é apenas metodológica, não são realidades diferentes, da qual se pode controlar uma, para depois controlar a outra. É preciso destruí-la para construir uma nova sociabilidade, a sociabilidade transitória para o comunismo, a ditadura do proletariado para Lênin, a hegemonia para Gramsci que são momentos radicalmente distintos do determinismo econômico, do centralismo autoritário, do estatismo burocratizado, da social democracia, do oportunismo, do peleguismo, e outras formas habituais de conluio com o capital. Que tendem a todo o momento se apresentar como alternativa daquilo que são apenas colaboradores
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