Car@s Amig@s,
Agricultores e agricultoras familiares do Centro Sul do Paraná e do Planalto Norte Catarinense vêm se mobilizando em busca de saídas para os problemas verificados na safra 2010/11 da cultura do fumo. A grande contaminação das propriedades vizinhas causada pela dispersão do veneno matou árvores nativas há várias distâncias dos locais de aplicação. Até mesmo plantas isoladas no meio da mata morreram.
Como esses agricultores já se reuniam mensalmente para trocar experiências sobre transição agroecológica, constituíram um grupo chamado Coletivo Triunfo e por meio deste encaminharam ao Ministério Público de várias cidade e do estado do Paraná denúncia formal dos problemas decorrentes do uso do herbicida Gamit (clomazone).
Na carta, o Coletivo solicita às autoridades providências imediatas para evitar que as empresas fumageiras recontratem as produções para safra 2011/12 com o mesmo pacote tecnológico.
Confira abaixo a íntegra da carta.
Carta às Autoridades – Coletivo Triunfo
Nós, agricultores familiares organizados por meio do Coletivo Triunfo, sujeito coletivo do qual fazem parte famílias dos municípios de São João do Triunfo, São Mateus do Sul, Fernandes Pinheiro, Palmeira, Rio Azul, esses no Paraná, e Bela Vista do Toldo e Irineópolis, no estado de Santa Catarina, reunimo-nos no dia 24 (vinte e quatro) de fevereiro do ano de 2011 para expor, denunciar e pedir providências quanto às violações a diversos direitos, dentre eles o de livre escolha do nosso sistema de produção, e também quanto aos danos gerados à nossa saúde e ao meio ambiente, em decorrência do uso abusivo de agrotóxicos nas lavouras de fumo existentes na nossa região que engloba o centro-sul do Paraná e Planalto Norte Catarinense.
O Paraná é o terceiro maior produtor de fumo do país, perdendo apenas para Rio Grande do Sul e Santa Catarina, que ocupam primeiro e segundo lugares, respectivamente. A região centro-sul do Paraná é responsável pela maior produção do estado, sendo Rio Azul, Ipiranga e São João do Triunfo os municípios que detêm as maiores produções. O grande número de plantações de fumo e da constante utilização de agrotóxicos em todo o ciclo da cultura origina um cercamento que ameaça nossa produção, seja ela convencional, em transição ou agroecológica, o que pode ser exemplificado a partir da Comunidade Barra Bonita, em São João do Triunfo, onde há 140 agricultores que lá vivem e produzem, mas apenas 4 não plantam fumo.
Relatamos que o conflito principal na nossa região se dá a partir do uso indiscriminado do veneno GAMIT na cultura de fumo, cujo fabricante é a empresa FMC Corporation, e que intensificou-se nos dois últimos anos com graves e visíveis danos na safra 2010/2011. Afirmamos que os técnicos das empresas fumageiras presentes na região, por meio do receituário agronômico, receitam tais venenos aos fumicultores, que são obrigados a utilizá-los em decorrência de obrigações estipuladas nos contratos com aquelas empresas.
Na maioria dos casos, as plantações de fumo são feitas muito próximas uma das outras e a uma distância que não chega a 50 metros de outras lavouras, como as nossas, nossos pomares e plantas nativas. Em função desta condição e segundo o que estabelece a Bula do agrotóxico GAMIT, registrado no Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento e que recomenda a sua utilização a uma distância mínima de 800 metros da cultura de girassol e milho e de atividades de hortas, pomares, viveiros, casas de vegetação (estufas), jardins, videiras, arvoredos, vegetações ribeirinhas e outras nativas, os técnicos e agrônomos ligados às empresas fumageiras não poderiam sequer receitar tal produto, tendo em vista que a legislação (Decreto 4074/02) o obriga ainda a fazer o diagnóstico da área onde o veneno será aplicado. Somando-se ainda legislação geral estabelecida pela Surhema no Paraná proibindo a aplicação de agrotóxicos a uma distância menor de 50 metros de residências, escolas, nascentes, e cursos d’água, cuja violação fica facilmente comprovada visitando-se as regiões produtoras.
Assim, diante do uso indiscriminado e ilegal do agrotóxico GAMIT, verificamos os seguintes danos ambientais intensificados nesta safra:
- morte de diversos pássaros, tais como sanhaço, codorna, gitica ou tico-tico,
- morte de peixes
- diversas plantas nativas, tais como, cedro, guaçatunga, canafístula, açoita-cavalo, xaxim, samambaia (inclusive as cultivadas em vasos no interior das residências), nhapindá, cipó de estribo, taiuiá, cataia, migué pintado ou camboatá,araçá,entre outras espécies, estão secando, ficando com as folhas retorcidas ou esbranquiçadas e manifestando diversas anomalias de crescimento;
- Muitas árvores frutíferas estão abortando frutos e os Pinheiros tiveram suas pinhas derrubadas;
- Diversas espécies de plantas medicinais ficaram com suas folhas amareladas e algumas morreram;
Os danos visuais verificados ao longo do último ano só apontam para um problema maior vivenciado há vários anos e que decorre do fato de estarmos vivendo numa “bolha de veneno”que contamina o ar, o solo, nascentes e lençol freático, alimentos.
Além dos danos ambientais, há também aqueles que afetam a nossa saúde. As famílias agricultoras estão constantemente doentes em decorrência do abuso na aplicação do GAMIT que se soma aos outros venenos aplicados na cultura, além da própria nicotina, causando dores de cabeça, tonturas, depressão, irritabilidade, insônia, sem contar os casos de intoxicações agudas, que chegam aos hospitais com quadro de vômitos, febre, dor no corpo, diarréia, desmaios, muitas vezes confundidos com viroses diante da falta de treinamento dos profissionais da saúde para notificar as intoxicações em decorrência do manejo com o fumo. Há, inclusive, casos de tentativas de suicídios advindos de distúrbios psicológicos.
Além dos danos ao Meio Ambiente e à Saúde, estarmos cercados por lavouras de fumo que aplicam esses venenos desenfreadamente gera também a ameaça real aos agricultores agroecológicos colocando em risco:
- a certificação como produtores de alimentos orgânicos já que estamos diariamente expostos à contaminação, o que acaba com anos de esforços no sentido de se fazer a conversão da unidade produtiva de convencional para a agroecológica, o que dura em média 04 anos e requer muitos investimentos;
- a perda dos incentivos dos Programa PNAE (Programa Nacional de Alimentação Escolar) e PAA (Programa de Aquisição de Alimentos), programas por meio dos quais muitos agricultores abastecem escolas, creches, asilos, entidades filantrópicas da região com alimentos saudáveis;
- a perda do adicional de 30% para alimentos ecológicos oferecidos pelos programas acima citados, causando graves prejuízos econômicos ameaçando a estabilidade financeira das famílias.
Contudo, as violações e danos trazidos não se limitam aos acima expostos. Outro fato muito grave que temos presenciado e que não podemos deixar de relatar é o crescimento do uso de mão de obra infantil e de menores de 18 anos principalmente na colheita de fumo, sob clara ofensa ao que estabelece o Decreto 6.481/2008 que apresenta a Lista das Piores Formas de Trabalho Infantil (TIP) da Convenção 182 da Organização Internacional do Trabalho e proíbe o trabalho nas plantações de fumo para menores de 18 anos.
Diante da gravidade e atualidade de todos esses conflitos urgentes, afirmamos, em Coletivo, a necessidade de que as autoridades competentes tomem as devidas e imediatas providências, tendo em vista que estamos no final da colheita da safra 2010/2011, e os técnicos instrutores das empresas fumageiras já se apressam em fechar novos pedidos, contratos e envio dos pacotes de insumos para a Safra 2011/2012, apontando para a possibilidade de repetição do triste quadro aqui denunciado.
Assinam a presente carta os integrantes do Coletivo Triunfo e seus parceiros.
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