Porto Alegre, 21 de setembro de 2010.
No Dia Internacional Contra as Monoculturas de Árvores, 21 de setembro, nos dirigimos ao Governo do Estado do Rio Grande do Sul, através do atual Secretário do Meio Ambiente e Presidente do Conselho Estadual do Meio Ambiente, Sr. Giancarlo Tusi Pinto, para afirmar que nós, organizações e movimentos sociais e ambientais do Estado do RS e do Brasil, em conjunto com representantes dos grupos de Amigos da Terra da América Latina e Caribe:
· Estamos alertas e continuaremos resistindo, mobilizando a sociedade e denunciando os graves impactos ao ambiente e à biodiversidade, as violações de direitos humanos, a criminalização dos movimentos sociais e os conflitos sócio-ambientais causados pelo processo de expansão das monoculturas de árvores;
· Nosso compromisso inegociável é com a defesa da biodiversidade e da integridade ambiental do nosso território e da garantia da democracia e do direito coletivo a um meio ambiente saudável como condição de realização de todos os outros direitos;
· Seguiremos nos opondo e combatendo a instalação e consolidação do projeto da celulose no RS e em todo o bioma trinacional do Pampa, pois este só aprofunda a dependência à lógica da monocultura e representa a subserviência do Estado e dos governos às demandas das grandes empresas transnacionais e nacionais da celulose - e que é incompatível com um verdadeiro projeto popular baseado na construção de alternativas sócio e biodiversas;
Reafirmamos a autonomia do movimento ambiental dentro do qual seguiremos organizados, construindo alianças e fortalecendo a luta na sociedade por territórios livres de monoculturas, bem como publicizando os conflitos de interesse e ataques à legislação e às políticas ambientais cometidos pelos atuais e futuros governantes.
Queremos um futuro diverso, alegre e com desenvolvimento de sociedades sustentáveis com autonomia sobre seus territórios. Não queremos o MONOFUTURO que se impõe pela expansão das monoculturas.
Assinam:
CasaTierra - Porto Alegre
Econsciencia - Porto Alegre
InGá - Porto Alegre
Instituto Biofilia – Porto Alegre
Utopia e Luta - Porto Alegre
Quilombo do Sopapo - Porto Alegre
Núcleo de Economia Alternativa - NEA/UFRGS - Porto Alegre
Centro de Estudos Ambientais – CEA – Porto Alegre
Assembléia Permanente de Entidades em Defesa do Meio Ambiente – APEDEMA-RS
MST - Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra - RS
MAB – Movimento dos Atingidos por Barragens - SC
Rede Brasil sobre Instituições Financeiras Multilaterais - Nacional
Amigos da Terra Argentina
CERDET – Amigos da Terra Bolívia
CENSAT Água Viva – Amigos da Terra Colômbia
Coordinacion de Jovenes del Cauca – Colômbia
COECO Ceiba – Amigos da Terra Costa Rica
Red de Cordinación en Biodiversidad – Costa Rica
CESTA – Amigos da Terra El Salvador
CEIBA – Amigos da Terra Guatemala
Haiti Survie – Amigos da Terra Haiti
Madre Tierra - Amigos da Terra Honduras
Otros Mundos Chiapas – Amigos da Terra Mexico
SOBREVIVENCIA – Amigos da Terra Paraguai
ATALC - Amigos da Terra América Latina e Caribe
Justiça Ambiental – Amigos da Terra Moçambique
Radio Mundo Real
PARA NÃO ESQUECER
Nos últimos anos, a mobilização contra a instalação do projeto da celulose no RS foi um marco para o ambientalismo gaúcho, tendo sido o principal fator de unificação do movimento e capaz de aglutinar diversos setores da sociedade. Esta luta dá seguimento a uma resistência histórica, iniciada ainda na década de 70 contra a fábrica da Borregaard em Guaíba, hoje, CMPC-Celulose Riograndense, que pretende quadruplicar-se na mesma área e expandir as áreas de monoculturas na região.
Não aceitamos o discurso de que as monoculturas de árvores sejam um projeto de desenvolvimento para o RS. É fato que a transformação do bioma Pampa em um pólo de produção de celulose é um projeto das empresas transnacionais e nacionais que lotearam o Sul do Cone Sul e se expande à custa da ocupação de territórios, da destruição da cultura e da biodiversidade locais, aprofundando seus impactos e conflitos no RS e também nos países vizinhos.
No sul do Brasil, e em parte dos territórios do Uruguai e Argentina, a área de expansão da atividade também conhecida como silvicultura coincide em grande medida com a área do bioma Pampa, rico, ameaçado e pouco conhecido ecossistema formado por pastagens naturais de única sociobiodiversidade. No RS, a área plantada chega hoje a 500 mil hectares. No Pampa, a atividade, ora apresentada como nova vocação ou única via de investimentos e lucros do grande capital para uma região rica em cultura, biodiversidade e alternativas econômicas, foi ironicamente chamada de “reflorestamento”, apesar de consistir na monocultura de árvores exóticas, a expandir-se neste novo ciclo para uma área estimada em mais de 1 milhão de hectares, numa região predominantemente de campos nativos onde não existia expressivo ecossistema de floresta a ser restaurado. Na região dos Campos de Cima da Serra, no RS ou em Santa Catarina, há tempos grande parte dos campos nativos e áreas de mata de araucárias foram substituídos por monoculturas de pinus, também para celulose, ocupando o planalto e áreas de topo de morros, hoje ilhadas pelos grandes lagos das barragens já implantadas ao longo da bacia do rio Uruguai, consolidando uma verdadeira monocultura da paisagem.
No Uruguai, mais de 1 milhão de hectares de monoculturas de árvores já deixaram impactos no isolamento de comunidades, na concentração da propriedade de terras, na redução da disponibilidade de águas e no aumento dos riscos de incêndio e contaminação por agrotóxicos no país, e ameaçam a soberania alimentar dos camponeses. A Stora Enso sozinha tornou-se a maior latifundiária do país, e tem previsão de construção de uma megaplanta de celulose, além daquela em operação pela empresa Botnia, também finlandesa.
Nos últimos 5 anos, estes projetos repercutiram em manifestações e críticas de pesquisadores, ambientalistas, políticos, estudantes e lideranças de movimentos sociais e sindicais sobre os impactos sociais e ambientais negativos da atividade para a região, ao mesmo tempo em que se desvendaram as estratégias excusas das corporações envolvidas neste plano.
No Brasil, juntas, e associadas a associações empresariais e de classe, empresas como a Stora Enso, Aracruz e VCP (hoje Fíbria), e recentemente a Chilena CMPC, formam um poderoso lobby, atuando nos órgãos de imprensa, de educação, de financiamentos públicos, nos Conselhos de Meio Ambiente, nos parlamentos e governos locais e regionais.
No RS, há uma lista de deputados e políticos financiados pelas empresas do setor, nas eleições de 2002 e de 2006. Já em 2004 criou-se a frente parlamentar “pro florestamento” na Assembléia Legislativa do RS, coordenada pelo deputado Berfran Rosado que logo tornou-se o próprio secretario do Meio Ambiente do Estado. Em 2006, a Stora Enso convidou e pagou a viagem de uma dúzia de deputados e jornalistas formadores de opinião publica para a Finlândia, para que pudessem conhecer de perto o “desenvolvimento” do setor da celulose naquele país.
No mesmo ano, a intervenção direta das transnacionais da celulose resultou na dispensa da Secretária Estadual do Meio Ambiente, Vera Callegaro, funcionária de carreira de órgãos ambientais estaduais, e na nomeação de um novo secretario, Otaviano de Moraes, procurador do Ministério Público Estadual (MPE), dias após uma série de reuniões das empresas diretamente com a Governadora. Foi uma forma de intimidação do órgão de fiscalização do poder público, o MPE, que defendia uma proposta da Secretaria Estadual do Meio Ambiente (SEMA) de Zoneamento Ambiental da Silvicultura (ZAS) no Estado, a qual delimitava as áreas e a extensão dos maciços de plantações de árvores, o que desagradava às empresas.
Hoje, mesmo após os ataques do setor, respaldados pelo governo do Estado, que resultaram no enfraquecimento e na flexibilização do instrumento do ZAS em favor das empresas, os limites e restrições estabelecidos já foram ultrapassados mediante licenciamento das plantações feitas pelos órgãos da própria SEMA –RS. Apesar da falta de transparência na aplicação das políticas ambientais hoje em vigor no Estado , o movimento ambiental segue alerta e denunciando este processo na sociedade e no Conselho Estadual do Meio Ambiente (CONSEMA).
O lobby do setor foi poderoso também no nível nacional. A empresa Stora Enso, confrontando-se com a lei brasileira que defende a faixa de fronteira da compra de terra por estrangeiros, e após já ter criado uma empresa “laranja” para permitir sua expansão comprando terras próximas à fronteira com o Uruguai e Argentina, empenhou-se para mudar a lei federal, para o que teve apoio da governadora do Estado, Yeda Crusius. A denúncia, encaminhada por ONGs do movimento ambiental, chegou ao Conselho Nacional de Segurança, gerou audiências públicas e alertou os setores nacionalistas, evitando a alteração da lei.
Hoje, o setor da celulose, unido à bancada ruralista no Congresso Nacional, orquestra o maior ataque a principal lei ambiental de proteção das florestas brasileiras, o Código Florestal. Visando a anistia dos grandes desmatadores do agronegócio, a expansão das monoculturas nas áreas de floresta e a obtenção de benefício no negócio do mercado de carbono, que pressionam uma espécie de ajuste estrutural climático das leis ambientais e da regularização da propriedade de terras no Brasil, tentam alterar o Código Florestal para reduzir a proteção do Estado sobre a biodiversidade, destruir a figura da Reserva Legal e substituir Áreas de Proteção Permanente – áreas estas em que a legislação permite o uso sustentável da biodiversidade nativa - por plantações de árvores exóticas para uso comercial.
O setor de celulose tem sido presença marcante nos meios de comunicação, fornecendo pautas, anúncios pagos e propaganda massiva na imprensa. Patrocinaram uma série de veículos especializados na área ambiental. Nas escolas, distribuem mudas de árvores, materiais escolares e cartilhas de “educação ambiental” em datas comemorativas.
Obtém financiamento público facilitado através da Caixa RS, Caixa Econômica Federal e do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). Numa ação inédita junto ao Tribunal Federal Amigos da Terra Brasil teve ganho de causa numa ação civil pública que condenou estes órgãos de financiamento público a se retratarem e publicarem uma contra propaganda que explicasse os riscos socioambientais da atividade, retificando seus materiais de divulgação distribuídos anteriormente.
Como manifestação concreta dos conflitos gerados pela atuação das empresas na região, movimentos de mulheres ligados a Via Campesina no Brasil realizaram, em março de 2006, 2007 e 2008, ocupações das áreas da Aracruz e Stora Enso no Sul do Brasil, denunciando posturas das empresas perante os assentamentos vizinhos às plantações e a contradição dos planos de expansão do setor com as perspectivas do movimento para a soberania alimentar, que inclui a reforma agrária, a prioridade para a produção de alimentos agrocológicos e a preservação dos biomas naturais.A repercussão das ações na imprensa e, consequentemente, na opinião pública, foi a criminalização do movimento social, não das empresas. A polícia agiu de forma autoritária, invadindo e destruindo o escritório das organizações dos movimentos sociais em Passo Fundo, RS, e um inquérito policial foi instaurado. Foram denunciadas 35 pessoas, cerca de 10 integrantes do Movimento das Mulheres Camponesas (MMC), por crimes cujas penas podem chegar a 20 anos de prisão. Mas os policiais denunciados de invasão e agressão moral e física contra as mulheres não foram julgados.
A Stora Enso, após propor e realizar duas reuniões com representantes dos movimentos sociais, sindicais e ambientais no Brasil em 2009, fez repercutir na imprensa Sueca e Finlandesa, opiniões de ataque e desagravo ao Movimento dos Trabalhadores Sem Terra, com base em declarações que tiveram que ser desmentidas com espaços de direito à resposta nos jornais daqueles países, pois haviam sido gravadas por organizações sociais finlandesas de apoio aos movimentos sociais.
Diante das estratégias das corporações do setor de celulose na região, denunciamos:
- a intervenção das empresas nas políticas públicas e na flexibilização das leis – como a proposta dos PLs 154 de unificação de um código ambiental estadual, e o PL 1876/99 de desmantelamento do Código Florestal nacional - através de ações de lobby e de financiamento de campanhas eleitorais;
- o enfraquecimento e o descumprimento dos limites estabelecidos pelos instrumentos legais de gestão ambiental estadual como o ZAS;
- o uso da mídia, de órgãos de financiamentos públicos e de educação através da propaganda restrita aos supostos benefícios da atividade;
- a compra ilegal de terras em zonas de faixa de fronteira no Brasil e a concentração da propriedade de terras na região;
- a ocupação territorial através das plantações e logística para o escoamento dos bens naturais para fora da região;
- a criminalização dos movimentos sociais que defendem a soberania sobre seus territórios.
Por isso neste dia internacional de luta contra as monoculturas de árvores, demandamos:
- Uma moratória à expansão de novas áreas de plantio e fábricas de celulose na região;
- A suspensão da licença concedida para a quadruplicação da fábrica da CMPC (ex-Aracruz, ex Fíbria, ex Riocell, ex Boregard) em Guaíba diante das graves manipulações e interferências;
- A reparação dos ecossistemas e das conseqüências da apropriação dos territórios de comunidades tradicionais deslocadas ou afetadas pelas monoculturas de árvores exóticas destas empresas, incluindo o julgamento e punição pelos crimes ambientais e contra os direitos humanos.
EVITE FUTUROS GOVERNANTES FINACIADOS PELAS MONOCULTURAS!
Nenhum comentário:
Postar um comentário
O que você pensou sobre isto?
Mande sua opinião!