Por Bianca Pyl
Aliciados em estados do Nordeste, 207 trabalhadores eram mantidos em condições análogas à escravidão nos canaviais da Laginha Agroindustrial, na unidade Vale do Paranaíba, em Capinópolis (MG). A empresa faz parte do Grupo João Lyra, do candidato a deputado federal por Alagoas, João Lyra (PTB). A libertação ocorreu entre 9 e 20 de agosto.
Parte do Programa Nacional de Investigação e Combate às Irregularidades do Setor Sucroalcooleiro no Estado de Minas Gerais, a fiscalização contou com a participação de integrantes da Superintendência Regional do Trabalho e Emprego em Minas Gerais (SRTE/MG), do Ministério Público do Trabalho (MPT) e da Polícia Rodoviária Federal (PRF).
Segundo o procurador do trabalho Fábio Lopes, que participou da ação, os contratantes se valeram dos contratados para dificultar a comprovação do crime de aliciamento (Art. 207 do Código Penal). "Os empregados da usina entraram em contato com conhecidos nos estados nordestinos e pediram para que viessem a Minas, pois havia trabalho garantido".
Os trabalhadores chegaram a Capinópolis (MG) entre janeiro e março deste ano e tiveram que alugar moradia por conta própria. A empresa não ofereceu abrigo. Superlotadas, as casas feitas de alojamentos estavam em péssimo estado de conservação. Algumas não tinham sequer luz elétrica e outras tinham mofo. O risco de incêndio era iminente: o fogão e o botijão de gás ficavam no quarto, próximo às camas. Não havia água filtrada nas residências e os trabalhadores consumiam água direto da torneira.
Além de pagar aluguel e arcar com os custos da viagem entre a Região Nordeste e o Sul de Minas Gerais, as vítimas tinham que comprar alimentos e preparar as refeições sem auxílio algum. Toda a estrutura das casas também era bancada pelos cortadores, como as contas de água e luz.
Um dos aliciadores cobrava dos empregados valor acima de mercado pelo fornecimento de cama e de colchões de péssima qualidade. Até o seguro de vida era descontado diretamente da conta corrente dos empregados, no valor de R$ 78, de acordo com o MPT. A empresa também descontava a contribuição sindical dos salários mesmo sem nenhuma filiação.
Risco de ferimentos: empregados trabalhavam com equipamentos de proteção irregulares (MPT) |
Os 13 ônibus que faziam o transporte dos empregados até as três frentes de trabalho da usina eram irregulares. Nas frentes de trabalho a Norma Regulamentadora (NR) 31, que estabelece regras para o trabalho rural, era ignorada. Os empregados comiam sentados no chão, no meio do canavial, sem nenhuma proteção contra o sol forte ou chuvas. Além disso, não havia banheiros ou fornecimento de água potável.
Após a conclusão da fiscalização, auditores fiscais da SRTE/MG lavraram 56 autos de infração pelas irregularidades encontradas e 13 termos de interdição. A empresa fez a rescisão indireta de contrato dos empregados e mais de R$ 670 mil foram pagos. As vítimas também foram indenizadas em R$ 348 mil por gastos relativos ao trabalho realizado, como o custeio da passagem de ida e a compra de EPIs, camas e colchões.
O objetivo da ação foi verificar o cumprimento das obrigações determinadas em Termo de Ajustamento de Conduta (TAC), firmado pela usina com a Procuradoria do Trabalho no Município de Uberlândia (MG) em 2004.
HistóricoEsta não foi o primeiro flagrante de escravidão em áreas ligadas às usinas do Grupo João Lyra. Na usina Laginha de União dos Palmares (AL), em 2008, foram libertados outros 61 trabalhadores.
Na época, o auditor fiscal Dercides Pires da Silva, que chefiou a operação na área a 85 km da capital Maceió (AL), assim descreveu o cenário encontrado. "O alojamento é de alvenaria, mas é muito sujo, fedido. Os trabalhadores não recebem colchões, mas espumas velhas, rasgadas, que quando se aperta com a mão, dá pra encostar um dedo no outro". Outro problema grave, conforme relato de Dercides, foi a más condição dos EPIs.
Em 2007, a Gerência Regional do Trabalho e Emprego em Uberlândia (MG) encontrou 15 trabalhadores que foram aliciados na mesma Usina Laginha, unidade Vale do Paranaíba, em Capinopólis (MG), mas o quadro foi regularizado e não houve libertação.
Os trabalhadores foram aliciados por um empregado da usina nos estados do Maranhão, Piauí e Rio Grande do Norte. Os cortadores se endividaram para pagar a passagem de ida Segundo os auditores fiscais, as condições encontradas no alojamento eram precárias. Pessoas dormiam em colchões estendidos no chão e em redes e vizinhos chegaram a doar comidas porque os empregados da usina não conseguiam comprar no comércio local, devido as dívidas que tinham com os comerciantes de Ipiaçu (MG).
Na ocasião, a usina assinou a Carteira de Trabalho e da Previdência Social (CTPS) dos cortadores com data retroativa e regularizou a situação dos alojamentos, além de doar cestas básicas. Os cortadores continuaram trabalhando na usina até o final da safra daquele ano.
Grupo
No site do Grupo João Lyra, é possível ler que a "atuação empresarial com visão de futuro e responsabilidade social" é o principal lema do conglomerado de empresas. A empresa tem sede em Alagoas, com ramificações nos estados da Bahia e de Minas Gerais. São dez empresas dos ramos da agroindústria sucroalcooleira e de fertilizantes e adubos, além das que pertencem aos setores automobilístico, de transportes aéreos e hospitalar.
Só no setor sucroalcooleiro, possui cinco usinas de grande porte: Laginha, Uruba e Guaxuma, em Alagoas, além da Triálcool e Vale do Paranaíba, em Minas Gerais. Juntas, as unidades produzem de mais de 300 mil metros cúbicos de álcool e de mais de 6,5 milhões de sacas de açúcar dos tipos VHP, cristal e refinado, de acordo com o site corporativo.
O candidato João Lyra declarou R$ 240 milhões em bens. A Repórter Brasiltentou contato por vários meios com o deputado e não obteve retorno até o fechamento desta matéria.
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Repórter Brasil
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