Brasil de Fato
Internacional
Entre as exploradoras está a Vale, que em um projeto deslocou 760 famílias camponesas
15/11/2010
Boaventura Monjane
Maputo (Moçambique)
Os megaprojetos de mineração de Moma e Moatize, no norte e centro de Moçambique, foram implantados com muitos erros, absolutamente evitáveis. O governo moçambicano mostrou falta de transparência e, inclusive, não levou a cabo um diálogo com as mineradoras e com as comunidades afetadas.
Por outro lado, as mineradoras não estão cumprindo com o acordado nos contratos com o governo e as promessas feitas às comunidades afetadas.
Estas são parte das conclusões a que chega um relatório de monitoria das atividades mineradoras em Moçambique, apresentado esta segunda-feira (15) em Maputo, elaborado pelo Centro Moçambicano de Integridade Pública, uma entidade da sociedade civil que promove a integridade, a transparência e a boa governabilidade na esfera pública em Moçambique.
Os megaprojetos em questão dedicam-se à exploração de areias pesadas, desenvolvida pela multinacional irlandesa Kenmare – em Moma, província de Nampula, norte de Moçambique – e a extração de carvão mineral, desenvolvida pela brasileira Vale do Rio Doce e pela australiana Riversdale Mining – em Moatize, província de Tete, centro de Moçambique.
Os recursos da extração destes minerais são, na sua totalidade, para a exportação.
Quem representa as comunidades
A empresa Kenmare (que explora areias pesadas em Moma) criou a chamada “Kenmare Moma Associação de Desenvolvimento” KMAD, financiada majoritariamente pela própria empresa, para cuidar do relacionamento entre a empresa e as pessoas que vivem dentro do raio de dez quilômetros do lugar onde foi instalada a mineradora.
Esta associação que desempenha a função de “defensora dos interesses da Comunidade”, diz estar investindo, anualmente, entre 350 e 400 mil dólares para o desenvolvimento de diversos projetos. No entanto, o Secretário Permanente do Distrito de Moma, citado no relatório, afirma que “é uma grande mentira, porque investimentos sociais dessa dimensão nunca passariam despercebidos num distrito muito pobre como este nosso [Moma] (…), se fosse verdade este distrito já estaria com outro visual, mas nada se vê (...)”.
A KMAD diz desenvolver projetos de produção de ovos, frangos e hortaliças, mas o comprador principal é a própria Kenmare, que os oferece aos seus trabalhadores.
Dividir para reinar
Este é o termo utilizado no relatório para se referir aos reassentamentos realizados pela empresa Vale. De novembro de 2009 a abril de 2010, a Vale “arrancou” cerca de 760 famílias camponesas das suas comunidades para dar lugar a aberturas das minas de carvão.
A empresa dividiu as famílias entre rurais e semiurbanas, usando critérios diferenciados para os reassentamentos das mesmas. As famílias consideradas rurais foram reassentadas há cerca de 40 quilômetros da sua comunidade de origem, em Cateme, e as consideradas semiurbanas foram colocadas nas proximidades da vila de Moatize no bairro 25 de Setembro.
Exploração dos recursos nacionais: quem são os verdadeiros beneficiários?
De acordo com o relatório, consta que a Vale pagou pela concessão de Moatize cerca de 120 milhões de dólares, mas, estranhamente, essa verba nunca foi inscrita no Orçamento do Estado Moçambicano. A exploração do carvão de Moatize será efetuada através de mineração a céu aberto, com uma capacidade de cerca de 26 milhões de toneladas de carvão bruto por ano, como referido anteriormente, para exportação.
Tanto em Moma como em Moatize as comunidades afetadas são sempre tratadas como meros objetos dos reassentamentos e que devem, por isso, obedecer aos padrões que as empresas ditam. Os que tentam opor-se ou questionar os termos e mecanismos de compensação são acusados de estar contra o desenvolvimento. Verifica-se, portanto, “a imposição de destinos de reassentamento, falta de diálogo, negociações precárias sobre as compensações, promessas avulsas e descontínuas que nunca se cumprem”, cita o relatório.
Sociedade Civil
Representantes da sociedade civil têm se reunido em diversos espaços, especificamente, seminários e reuniões para debater o caso das famílias atingidas pelas mineradoras, tanto no que se refere às questões do reassentamento, quanto às de precarização do trabalho.
Rui Caetano, da Associação de Apoio e Assistência Jurídica às Comunidades, critica a forma como a Vale está tratando o povo moçambicano. Pare este ativista, o que a Vale está fazendo em Moçambique “é um crime hediondo e uma vergonha para um Estado de direito”.
Autoridades locais impotentes
As autoridades governamentais locais sentem-se impotentes para agir contra as multinacionais porque sabem que as empresas estão ligadas a altos dirigentes do país, em nível central. Por exemplo, cita o documento, “as relações da Vale junto das autoridades moçambicanas são fortes, sendo que Roger Agnelli, o presidente-executivo da empresa, é assessor do Chefe de Estado, Armando Guebuza, para questões de âmbito internacional”. Este fato torna os governantes de nível inferior incapazes de agir por medo de ferir interesses dos chefes de Maputo.
O relatório conclui afirmando que a indústria mineradora constitui uma forma específica e concreta de acumulação capitalista primitiva em Moçambique, sendo levada a cabo sem exigência de preservação ambiental e respectiva fiscalização pelo Estado Moçambicano.
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